Na comédia Entrando numa Fria Maior Ainda, o austero pai de família Jack
Byrnes (Robert De Niro) estreia seu motorhome superequipado rumo a Miami, para
conhecer a família de seu futuro genro, Greg Focker (Ben Stiller). Na viagem, é
possível viver o conforto e a praticidade de ir ao banheiro, comer e dormir sem
parar o carro, além de não precisar se preocupar com hotéis. Sair pelas estradas
no comando de uma casa de rodinhas, portanto, não tem nada a ver com o nome do
filme. Ainda mais nos Estados Unidos, onde viajar em casa própria é opção de
uma em cada 12 famílias proprietárias de carros, nos Estados Unidos.
Levantamento recente da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, revela
que a quantidade de motorhomes no país alcançou nível recorde. Já no Brasil,
encontrar uma casa com rodas na estrada é quase tão raro quanto um
mico-leão-dourado. Por aqui, ambas as espécies estão ameaçadas.
A cultura da família norte-americana de fazer turismo a bordo de um
veículo recreativo é antiga. São mais de 16000 campings por aquele país com
estrutura para receber trailers e motorhomes. Em 2008, um estudo comparativo
entre os custos de uma viagem de férias de quatro pessoas em um motorhome e com
outros meios de transporte mostrou que a economia varia entre 27% e 61% a favor
das casas móveis, incluindo gastos pessoais e de combustíveis.
No Brasil, viajar com a cabana nas costas tem ares de aventura e exotismo.
“Os brasileiros têm o hábito de ter imóvel na praia ou um sítio para onde
viajam nos fins de semana e feriados”, afirma o presidente da Associação
Brasileira de Campismo (Abracamping), Luis Antônio Matheus, de 62 anos. Segundo
estimativa feita pela associação, existem no país cerca de 1800 proprietários
de motorhomes e 2000 de trailers recreativos. O Denatran não possui registros
precisos porque a classificação motorcasa teve início em 2008. Apesar do
reduzido número de adeptos do campismo sobre rodas no Brasil, aqueles que
adotaram esse “estilo de vida” não trocam sua casa a tiracolo por um imóvel.
“Os campings para esses veículos são ambientes acolhedores. Em alguns, há
piscinas, cantinas, quadras e salões de festa. Assim, forma-se um vínculo forte
entre todos os frequentadores”, afirma.
Nos 39 anos como campista, Luis Antônio nunca soube de assaltos na
estrada. “Não dá para saber quantas pessoas estão lá dentro, nem para roubar um
veículo como esse e sair dirigindo tranquilamente.” Ainda assim, as seguradoras
cobrem acidentes, incêndios e danos a terceiros, mas não roubo.
Custos e
infraestrutura
Engana-se quem imagina que o preço dos motorhomes explique sua escassa
presença nas estradas brasileiras. “A partir de 40000 reais dá para comprar um
motorhome seminovo. Para deixá-lo estacionado em um camping, a mensalidade fica
em torno de 350 reais”, diz o presidente da Abracamping.
A manutenção está para a de um carro de passeio como a conservação da
“área residencial” está para a faxina de um pequeno apartamento. Em sua
maioria, usam chassis Mercedes-Benz, Ford e Iveco, e basta levá-los à
concessionária para as revisões. O motorhome é basicamente um ônibus. No
Brasil, o combustível utilizado é o diesel e faz-se uma média de 7 km/l,
segundo Luis Antônio.
A liberdade na decisão de ficar mais ou menos dias em uma cidade foi o
que seduziu Luiz Edgard Tostes, 74 anos, diretor da Abracamping. Com a
experiência de quem reboca trailers desde o início dos anos 70, ele não abre
mão da autonomia. “Conheci praias no Nordeste a que normalmente o turista não
tem acesso.”
No Brasil, existem cerca de 200 campings para receber os veículos
recreativos, um número modesto. Os destinos nacionais preferidos pela turma de
campistas são Caldas Novas (GO) e Porto Seguro (BA). Existem empresas que
alugam trailers, a partir de 80 reais a diária. Em campings, a estadia no
estado de São Paulo tem preços que partem de 15 reais. Mas dá para estacionar o
veículo em outros lugares. Como eles têm caixa d’água e bateria de energia de
12 volts ou geradores, é possível parar em postos de gasolina, utilizados como
paradas de caminhoneiros.
Para quem não pretende fazer um grande investimento ou está a fim de
experimentar a modalidade do turismo-caramujo, há empresas que alugam
motorhomes a partir de 550 reais, mas a locação se faz somente com motorista da
empresa.
Tamanhos e
dirigibilidade
Tanto o trailer como o motorhome estão disponíveis nos tamanhos pequeno,
médio e grande. O presidente da Associação Pé na Estrada, Nivaldo Massa,
conhecido como Tico, de 70 anos, costumava acampar com o colégio em praias
vizinhas a Santos. Não parou mais, comprando o primeiro veículo recreativo aos
46 anos.
Ele e a esposa Maria Aparecida, de 55 anos, conhecida como Tica, dirigem
a casa sobre rodas e transportam toda a família. Para isso, tiveram de tirar
habilitação para categoria D, a mesma para motorista de ônibus, de acordo com
as exigências da legislação, a partir do novo Código de Trânsito Brasileiro, de
1997. Essa obrigatoriedade existe apenas aqui, mas, de acordo com Massa, é uma
forma de garantir a boa dirigibilidade do veículo e maior segurança ao
proprietário. Quem tem trailer precisa ter a carteira E (para caminhões
articulados). Pela lei, é permitido a quem tem carteira B (amador) conduzir
veículos com peso bruto de até 3500 kg, exceto trailers.
Motorhome x
trailer
Para o microempresário Wellington de Moraes, 55 anos, na disputa entre
motorhome e trailer não há vencedor. “Cada um tem suas vantagens. No motorhome,
enquanto um dirige, é possível circular internamente ou fazer uma refeição, por
exemplo. Já com o trailer, é preciso estacionar para comer ou usar o banheiro.
Por outro lado, deixar o trailer estacionado e sair com o carro para circular
pode ser um recurso bem-vindo, especialmente em localidades com ruas mais
estreitas.”
Quanto à questão de privacidade, os dois têm o mesmo problema. “As
paredes são finas, a estrutura não acoberta movimentos”, diz Wellington. Mas
nada melhor para aproximar os casais e os filhos que passar dias viajando. “É o
grande barato dessa vida, a promoção da união da família, com grande
dependência um do outro.”
Por dentro da casa sobre rodas, tudo varia conforme a vontade do
proprietário e o espaço interno: os armários são sempre embutidos, os móveis
são fixos e há geladeira, fogão, chuveiro a gás, vaso sanitário e o que quiser,
como em uma casa ou um barco. “É preciso gostar, ter calma, não ter pressa, e
aceitar as condições da natureza, como chuvas e ondas de muito calor. Em troca,
o para-brisa do motorhome oferece uma janela para o mundo, tudo passa à sua
frente”, afirma Maria Aparecida Massa